Aracy: a voz do coração

SÉRIE: NOEL E SEUS INTÉRPRETES

A nova fase do Blog mostra Noel Rosa relacionado à obra de seus amigos, mais especificamente de seus amigos intérpretes. Os principais responsáveis por torná-lo conhecido do grande público, com a gravação de muitas de suas canções. A série original NOEL ROSA – 100 CANÇÕES PARA O CENTENÁRIO já se completou e você pode acompanhá-la integralmente clicando artigos anteriores a 31 de outubro de 2010.

ARACY: A VOZ DO CORAÇÃO

Featured image

A cantora Aracy de Almeida, sai do Encantado, subúrbio pobre do Rio de Janeiro, para encantar Noel Rosa, com estilo particular, muita graça e bossa. Chega a ser considerada por ele quem melhor interpreta suas canções. Aracy vai mais longe: torna-se a maior responsável pela permanência entre nós deste inspirado criador. E não há exagero na tese. Uma análise na discografia do poeta pode demonstrá-la ou, pelo menos, fundamentar a afirmação. A ela devemos, todos nós, este valioso préstimo!

O livro “Noel Rosa, uma biografia”, de João Máximo e Carlos Didier faz levantamento dos registros de músicas do poeta da Vila até o ano de 1987. Até 1936, 134 gravações – o que representa, em média, 24 novos registros de Noel por ano. Entretanto, após sua morte, de 1937 até 1949, minguadas dezessete gravações em quatorze anos! Em quatro deles Noel sequer é lembrado em disco. O compositor praticamente sai de cartaz e poderia cair no esquecimento, não fosse um detalhe…

A evolução tecnológica que traz o gravador de fita e melhor condição para o registro do som, além do vinil de 10 polegadas. Aracy aproveita as novidades para lançar em 1950 e 51 dois álbuns bem cuidados com 12 canções de Noel, capa ilustrada por Di Cavalcanti e arranjos de Radamés Gnatalli. E arrasa! Daí pra frente, centenas de intérpretes querem gravar sua obra. São mais de 1.150 gravações de 1950 a 1987 ou 30, em média, por ano! O período recente aumentará a proporção.

Amiga do poeta da Vila, sua companheira inseparável de noitadas célebres, Aracy de Almeida salva Noel Rosa e o resgata para a posteridade. Salva-o sua voz emocionada e jeito apaixonado de dizê-lo e cantá-lo. Consciência e desprendimento de Aracy reerguem-no, diferentemente de Francisco Alves, que não mais se interessa em gravá-lo. Na voz de Aracy, Noel reaparece genial e moderno, como grande surpresa àquela e às futuras gerações, para ficar em destaque, no podium de nossa música popular!

Próxima edição, domingo, 21 de novembro: MARÍLIA BATISTA – COM NOEL NO PENSAMENTO

Músicas relacionadas

TRÊS APITOS (Noel Rosa)

Samba-canção. Em 1951 com Aracy de Almeida (78 rpm, selo Continental nº 16392 B)

Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
E está interessada
Em fingir que não me vê

Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por que não atende ao grito
Tão aflito
Da buzina do meu carro

Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé com o agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você

Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você

Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe por quê
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos prá você

Aracy de Almeida foi também citada no artigo “Era a lua que tudo assistia”

Três apitos – A música foi incluída no artigo “A arte da dor”, com gravação original de Orlando Silva em 1933.

Os álbuns mágicos “Noel Rosa” de Aracy – A gravação de “Três apitos” está incluída no segundo de dois lançamentos da Continental (1950/51). Em cada um deles, seis canções de Noel em três discos de 78 rpm, reunidos em álbum de capa dura, colorida e texto explicativo – novidades na industria do disco no Brasil que chamaram a atenção do público. Mais tarde, em 1954, oito destas gravações foram reagrupadas no primeiro LP de Aracy. Um ano depois, Aracy repete a dose, com novo LP: “Canções de Noel Rosa, com Aracy de Almeida”, e mais 8 preciosidades, duas delas incluídas neste post: a então inédita (e surpreendente) “Voltaste” e a “Cansei de Pedir”, nossa próxima música. Uma curiosidade: Aracy e o diretor musical e arranjador do LP, Vadico (parceiro de Noel em 11 belíssimas canções) mostram um Noel compositor e letrista, sem parcerias, sem parceiros.

CANSEI DE PEDIR (Noel Rosa)

Samba. Em 1955 com Aracy de Almeida (33⅓ rpm LP 10” selo Continental nº LPP10)

Já cansei de pedir prá você me deixar
Dizendo que não posso mais continuar
Amando sem querer amar
Meu Deus, estou pecando
Amando sem querer
Me sacrificando
Sem você merecer!

Amar sem ter amor é um suplício
Você não compreende a minha dor
Nem pode avaliar
O sacrifício que eu fiz
Para ver você feliz!

Já cansei de pedir prá você me deixar
Dizendo que não posso mais continuar
Amando sem querer amar
Meu Deus, estou pecando
Amando sem querer
Me sacrificando
Sem você merecer!

Com a ingratidão eu não contava
Você não compreende a minha dor
Você, se compreendesse
Me deixava sem chorar
Para não me ver penar

Cansei de Pedir – A música foi incluída no artigo “Amor tom de cinza”, com a gravação original da própria Aracy em 1935.

VOLTASTE (Noel Rosa)

Samba-canção. Primeira gravação em 1955 com Aracy de Almeida (33⅓ rpm LP 10” selo Continental nº LPP10)

Voltaste
Novamente pro subúrbio
Vai haver muito distúrbio
Vai fechar o botequim
Voltaste
E o despeito te acompanha
E te guia na campanha
Que tu fazes contra mim

O guarda
Que apitava ressonando
Anda alerta envergando
O seu capote de lã
Voltaste
Para fabricar defunto
Para fornecer assunto
Aos diários da manhã

Voltaste
Novamente sem dinheiro
Tapeando o açougueiro
Que não tem golpe de vista
Voltaste
Com um cão muito valente
Que só tiras da corrente
Quando chega o prestamista

Voltaste
Para mostrar ao nosso povo
Que não há nada de novo
Lá no Centro da cidade
Voltaste
Demonstrando claramente
Que o subúrbio é ambiente
De completa a liberdade

Voltaste
Mas falhou o teu projeto
Não te dou o meu afeto
Quando eu quero eu sou ruim
Voltaste
Confessando sem vaidade
Que a tua liberdade
É viver bem preso a mim

Voltaste
Novamente sem dinheiro
Tapeando o açougueiro
Que não tem golpe de vista
Voltaste
Com um cão muito valente
Que só tiras da corrente
Quando chega o prestamista

Prestamista – Eram comerciantes que vendiam à prestação, de porta em porta. E depois voltavam para cobrar a dívida…

CAMISA AMARELA (Ary Barroso)

Samba. Primeira gravação em 1939 com Aracy de Almeida

Encontrei o meu pedaço na avenida
De camisa amarela
Cantando “A Florisbela”, oi, “A Florisbela”
Convidei-o a voltar pra casa
Em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
Desapareceu no turbilhão da galeria

Não estava nada bom
O meu pedaço na verdade
Estava bem mamado
Bem chumbado, atravessado
Foi por aí cambaleando
Se acabando num cordão
Com o reco-reco na mão
Mais tarde o encontrei
Num café zurrapa
Do Largo da Lapa
Folião de raça
Tomando o quinto copo de cachaça
(Isto não é chalaça)

Voltou às sete horas da manhã
Mas só na quarta feira
Cantando “A Jardineira”, oi, “A Jardineira”
Me pediu ainda zonzo
Um copo d’água com bicarbonato
O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama
E não tirou nem o sapato

E roncou uma semana
Despertou mal humorado
Quis brigar comigo
Que perigo, mas não ligo!
O meu pedaço me domina
Me fascina, ele é o tal
Por isso não levo a mal
Pegou a camisa, a camisa amarela
E botou fogo nela
Gosto dele assim
Passou a brincadeira
E ele é pra mim
(Meu Sinhô do Bonfim)

Sobre Ary Barroso v. artigo “A saudade não tem cor”.

Zurrapa – De má qualidade, de segunda.

SAIA DO MEU CAMINHO (Custódio Mesquita-Evaldo Rui)

Samba-canção. Primeira gravação em 1946 com Aracy de Almeida (78 rpm, selo Odeon nº 12.686B)

Junte tudo que é seu, seu amor, seus trapinhos
Junte tudo o que é seu e saia do meu caminho
Nada tenho de meu
Mas prefiro viver sozinha
Nosso amor já morreu
E a saudade se existe é minha

Tinha até um projeto, no futuro, um dia
O nosso mesmo teto
Mais uma vida abrigaria
Fracassei novamente
Pois sonhei, mas sonhei em vão
E você francamente, decididamente
Não tem coração

Sobre Custódio Mesquita v. artigo “A arte da dor”.

Evaldo Rui – Evaldo Rui Barbosa (9/4/1913 – 4/8/1954). Do Rio de Janeiro, RJ. Locutor, radialista e letrista. Foi parceiro constante de Custódio Mesquita. Os dois assinam cerca de 20 músicas juntos. Trabalhou no rádio e na televisão, com passagens e trabalhos em várias emissoras, que o levaram ao cargo de diretor artístico.

Lançando Aracy – Custódio Mesquita, além de grande compositor, pianista e maestro, parceiro de Noel Rosa, foi o responsável pelo lançamento de Aracy de Almeida no mundo artístico. Depois de escutá-la cantando em um encontro casual, garantiu lugar para a estréia da intérprete na Rádio Educadora, em 1933. E fez muito bem para o Brasil. A morte prematura do compositor com apenas 35 anos, em 1945, impediu que conhecesse o registro de Aracy para “Saia do meu caminho”. Originalmente um choro, a canção foi adaptada pelo parceiro Evaldo Rui como samba-canção, para a referida gravação.

___________________________

COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DE NOEL ROSA
Vejam o convite abaixo, direto de Vila Isabel, Rio de Janeiro:

“Convidamos a Coordenação, colaboradores e leitores do “Noel Rosa – 100 canções para o centenário” para os festejos dos cem anos de Noel Rosa.
O Bloco Eu sou eu, jacaré é bicho d’água promoverá sua costumeira festa de aniversário de Noel Rosa sendo que esse ano o centenário engrandecerá a festa.

A programação de 11 de dezembro será assim:
16 horas – Concentração e roda de samba choro junto à estátua de Noel na Vinte e Oito de Setembro com São Francisco Xavier
18 horas – Caminhada musical da estátua até a esquina do Jacaré – Visconde de Abaeté com Torres Homem
19 horas – Roda de Samba Choro na esquina do Jacaré com o Grupo Caviuna e canjas

Desde já, convidamos para um bate papo de organização da festa no dia 21 próximo, domingo, no Bar do Costa, esquina do Jacaré, às 20 horas.

Sergio Rosa
pela coordenação do Jacaré”

Esse post foi publicado em Noel Rosa e marcado , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para Aracy: a voz do coração

  1. Tonia disse:

    gostaria de entrar em contacto com voces para ver da possibilidad de publicarmso um de divulgarmos o concurso Vale Cantar Noel no blog.
    Abs
    Tonia
    obrigdado
    21 22594409

  2. fabiogabrieel disse:

    Para mim, a interpretação de Aracy de Almeida é a melhor.
    Não só por ter sido uma ótima cantora.
    Mas também por ter sempre respeitado, letra e melodia do autor.

Deixe um comentário